
Estávamos novamente naquela estrada. Da primeira vez que passei ali, achei que seriam anos até retornar àquelas picagens inóspitas, no meio de reservas, num mar de verde, mais de cinquenta pontes…
Então, três meses depois, lá estávamos nós. Nós quatro novamente. Dias sentados. Horas até a próxima ruma de gente que somasse mais do que nós: quatro.
Se haviam bons trechos na primeira viagem, bom… Eram em outra estrada. Não era a mesma BR-319 que nos levou da Suíça do Norte até a Paris dos Trópicos. Havia bem menos asfalto (me refiro ao trecho no coração – ou pode considerar outra parte do corpo: uma mais indiferente e esquecida), havia bem menos asfalto que da última vez. Isso significa viajar com velocidade de menos e trepidar mais. Toda aquela convicção de que a volta é mais rápida que a ida foi refutada.
A angústia diante dos rachões não sumiu, mas fora substituída pela agonia dos atoleiros. Não há descrição que lhes faça jus, tamanha a sensação de “É aqui! É agora! Este é o momento em que se iniciam meus cinco dias perdida e largada na selva amazônica!”.
Apesar de ser bem apontada por meus dramas, este não é o caso. Tanto não o é que não me importo se não acreditarem. Eu estava lá, em meio ao verde riscado pela poeira vermelha, sangrenta… molhada pelo início das chuvas, anunciando o fim da estiagem, o fim da estrada trafegável.
Foi quando menos esperávamos. Fizemos a pior sequência de suposições seguidas de decisões rápidas de todo o percurso. De toda a viagem. Todas as duas.
Meu pai ao volante e eu, navegadora. Observava a estrada, marcava quilômetros, tempos, fazia contas, olhava o próximo destino num mapa offline baixado no smartphone. Eu era a esperança da chegada e a certeza de que nos movíamos.
Mas naquele momento, não.
Paramos para esvaziar nossas bexigas, o que eu não entendia já que praticamente não bebi água para sobrar mais para a criança. A boca seca incomodava. Mas eram horas até o próximo local com suprimentos.
Lembro de sair do carro, me agachar atrás da porta para que ninguém me visse – mesmo que apenas plantas e poeira me cercassem – e, bom, fazer xixi.
Foi quando vi as borboletas. Era uma miração bem inferior à da primeira viagem, de Rio Branco a Manaus. Da primeira vez, as borboletas pareciam dançar um balé. Dessa vez, me ignoravam. Ignoravam o meu xixi. Talvez eu até fosse uma ofensa.
O caso é que elas preferiam o barro molhado feito lama da beira da estrada. Brancas, amarelas… Uma era laranja. Desciam, pousavam, subiam. Frenéticas. Meu pai disse que ali no barro elas se supriam de sais minerais.
Aquela máquina que ajustava pedras, para tornar a travessia da estrada minimamente possível, parecia maior à medida que nos aproximávamos. “Não vai”, minha mãe disse. “Ele nos viu”, meu pai e eu rebatemos.
O apontador nos olhou. Nos olhou de novo. Ele nos viu. Olhou para dentro da cabine onde um homem operava aquele gigante de metal. “Ajustar pedras no meio do nada deve ter suas vantagens” eu pensei. Mas não imaginei nenhuma vantagem de fato. A máquina se posicionou à direita. Seguimos pela esquerda. Contramão, mas era o meio do interior do nada. Quem ligaria?
Nós, não. Seguimos. Ou tentamos. Uma tentativa totalmente, inevitavelmente, frustrada por uma máquina pesada repentinamente à esquerda, vindo em nossa direção. “Ele vai parar! Ele nos viu. Ele está nos vendo!!!”. Não estava. E não parou.
Minha mãe gritava. Meu pai apertava a buzina como se isso, e não as engrenagens do carro, fosse garantir a nossa fuga. Nem posso listar a quantidade de animais que foram inutilmente perturbados por aquele barulho.
Mas a lentidão com que o momento se imprimia abafava todos esses sons. Na minha mente, eu estava acocada na beira da estrada. Insetos vaidosos em frenesi do céu ao chão.
Borboletas comem barro? Meu pai falou que sim. Algo nos atingiu? “Borboletas se alimentam”. Não sei bem.
Um pensamento flutuava na minha cabeça:
Borboleta bebe água?