25 de janeiro de 2017
Em filmes ou na vida real, quando um monte de garotos está praticando algum esporte, volta e meia o menos habilidoso ou menos disposto do grupo sofre aquela tiração de sarro com a melodiosa frase “você blá-blá-blá como uma garota”. “Você chuta como uma garota!”, “Você salta como uma garota!”, “Você lança como uma garota!”… Até em brigas é possível ouvir “Você bate como uma garota!”.
Não vou me prolongar dizendo o quão errôneas são essas afirmações. Vou me aprofundar apenas em uma, aquela que acredito ser a mais absurda, e que um homem, por mais que se esforçasse, por mais que adentrasse o alienígena universo feminino (meus cumprimentos ao presidente interino) e fosse tomado pelo mais alto grau de empatia pela luta feminina, ainda assim tal homem não a compreenderia: “Você corre como uma garota.”
Adepta de um estilo de vida que evita o sedentarismo, saio para correr de manhã bem cedo ou no fim da tarde. Correr é uma atividade prazerosa, barata, cheia de benefícios para a mente e para o corpo. Short, camiseta, tênis, estou pronta. Vou caminhando em direção ao parque do meu bairro, deteriorado e atravessado por um esgoto à céu aberto. Eu poderia dizer que chego no parque, dou umas voltas caminhando para aquecer, corro, caminho mais um pouco, então volto para casa e vou viver a minha vida. Mas não é assim que uma garota corre.
Saio no portão às 5h30 da manhã de uma terça-feira. “Nossa, ninguém na rua, comecei bem!”. Caminho até o parque. “Espero que aquelas senhoras já estejam por lá”. Passa um cara numa moto olhando mais do que o necessário para trás, quase acertou o cachorro. Chego no parque. “Ufa! Lá estão elas.” Tem um cara sentado num banco. Começo caminhando. Passos rápidos, olhos no horizonte. Uma volta. Um cara sentado no banco. Ele está me olhando. Continuo caminhando. Uma senhora usa o parque como atalho para ir ao trabalho. Passos rápidos, olhos no horizonte. Duas voltas. Um cara sentado no banco. Começo a correr. O sol, e não só seus raios, começa a aparecer acima da paisagem. Ultrapasso as senhoras. “Controla a respiração. Inspira, respira, inspira, respira, inspira, resp…”. Três voltas. “QUE GOSTOSA!” Medo. “O que? Quem disse isso? Foi comigo? Foi o cara sentado no banco, não olha, continua correndo, ignora.” Continuo correndo. Olhos no horizonte. Sol nas minhas pernas. “Adoro o Sol nas minhas pernas. Inspira, respira, inspira, respira.” Olho para as pernas. “Droga! O short tá subindo! Droga! Tá mostrando a parte branca que quase nunca pega sol. Droga! Tô quase terminando a volta. Droga!” Medo. Abaixo o short antes que… Quatro voltas. Um cara sentado no banco. “Passa rápido, não olha. Inspira, respira, inspira respira.” Cinco voltas. Ninguém sentado no banco. Continuo correndo. “Cadê ele? Meus Deus! Pra onde ele foi?” Olho ao redor. “Cadê as senhoras? Inspira, respira, inspira, respira. Tem uma ali… Ih, foi embora!” Seis voltas. Volto a caminhar. Passos rápidos, olhos no horizonte. “Tô sozinha. Cadê o cara? Será que ele se escondeu?” Olho ao redor. “Que paranoia! Melhor ir pra casa.” Última volta. Vou embora.